Chôros é um lugar do pensar coletivo. Um lugar sem fronteiras, de forma alguma um território restrito.

 
 

“Explorar o espaço, habitar o tempo: vinte proposições por uma ciência comprometida”


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Pesquisar, encontrar, compreender, agir

1.Pesquisadores e cidadãos .:

Nós nos definimos como pesquisadores e cidadãos. Desejamos contribuir com a compreensão e apresentação do mundo contemporâneo, próximo e distante, entrando em diálogo com todos os atores da sociedade, e colocando em discussão com eles seus conhecimentos, e os enriquecendo através deste diálogo. Nos dedicamos a detectar os pontos fracos, para tornar evidentes as questões emergentes. Nós pensamos que o olhar crítico sobre os objetos de estudo, assim como sobre nossa própria prática podem ser largamente difundidos.Vivemos em uma sociedade onde a reflexão desenvolveu uma força produtiva por cada um e por todos.

Abordamos esses problemas e essas questões da sociedade com uma particular atenção ao espaço, porque o espaço conta, mas também porque a exploração da dimensão espacial do social oferece elucidações importantes sobre o conjunto das dinâmicas contemporâneas. Pensamos também que o futuro deve se tornar um questionamento permanente, pois uma sociedade democrática e desenvolvida necessita imperiosamente tomar decisões estratégicas.

Explicitar os saberes e os imaginários é a missão do conhecimento, que tem por efeito principal o aumento da liberdade dos cidadãos em transformá-lo. Somos produtores e usuários de conhecimento teórico, tecnologias e práticas.

2.A verdade é nosso horizonte .:

Somos construtivistas e realistas. Um não existe sem o outro: o real só compreende o mundo material, e cada vez menos. Os mundos ideais - a ideias, os discursos, os imaginários, as expectativas, os projetos - fazem parte e são feitos somente de candura ou de ilusão. As ciências, as tecnologias, as técnicas, a filosofia, as artes são produções de ideias, que contribuem cada uma à sua maneira com ferramentas para apreender mais eficazmente o real.

Para compreender os mundos sociais, devemos construir os enunciados que trazem a realidade onde muitos estão, de uma maneira ou de outra, por eles mesmos construídos, e é ali que consiste o trabalho da verdade que nos cabe.

Nos insurgimos contra os políticos que praticam flagrantemente a “pós-verdade”. Não nos reconhecemos entre os pesquisadores que, alegando serem "pós-modernistas", afirmam que a ciência é apenas uma questão de opinião, de lealdade ou instituição, e se polarizam sobre perfis de emissores de ideias, ao invés de desenvolverem suas propostas. A dúvida é uma constante da pesquisa, mas a suspeita não é adequada à livre produção do conhecimento: a distinção entre uma e outra nunca é fácil, mas é sempre necessária.

A verdade certamente não está esperando por nós atrás de uma cortina a ser aberta, é o resultado provisório de uma invenção e de um projeto, sempre diferente à medida que os contextos mudam e o conhecimento avança. Recusar firmemente a metafísica de uma verdade que já está sempre presente antes de ser "revelada" não nos leva a recusar o ideal da verdade. É para que possamos dizer verdades - às vezes verdades que a perturbam - que a sociedade conta conosco. A verdade é nosso trabalho, nossa responsabilidade, qualquer que seja o custo. Renunciar a ela seria rasgar o contrato que nos vincula aos nossos contemporâneos.

Entretanto, os pesquisadores não possuem o monopólio da verdade. Nosso regime da verdade é, antes de mais nada, levar sempre em consideração as declarações em circulação, para discuti-las e validá-las ou refutá-las. A condição é aceitar todas as diferenças e aproveitá-las para evoluir em um mundo comum e compartilhado, inteligível e transformável. Isto implica estar atento ao que todos dizem, seja qual for sua origem, posição social ou status.

3.O momento reconstrutivo é essencial .:

Trata-se então de visar os objetivos de coerência e de pertinência ao mesmo tempo: procurar as contradições internas de uma teoria e deixar-se perturbar pela realidade. Esta disponibilidade consiste em particular em levar a sério as idéias de outros atores, incluindo indivíduos comuns, reconhecendo suas qualidades argumentativas e tomando suas indeterminações e contradições como um recurso.

O objetivo é tentar pensar todas estas idéias, com suas diferenças e divergências, no mesmo movimento. Este é o momento reconstrutivo do conhecimento, que nos parece absolutamente essencial. Assim, além da refutação de afirmações discutíveis, acreditamos que é útil dar um lugar real a outros regimes de verdade que não o da ciência.

4.Uma só ciência do social .:

Nós nos situamos dentro de uma ciência social pós-disciplinar, que é enriquecida por outros tipos de conhecimento, as ciências matemáticas, as ciências da natureza, as engenharias, a filosofia e as artes. Acreditamos que a realidade social é complexa, mesmo hipercomplexa, mas também pensável e inteligível. Todos os métodos rigorosos, qualitativos e quantitativos, são bem-vindos e estamos trabalhando para preencher a lamentável lacuna entre as diferentes culturas da cognição.

Procuramos medir tudo o que pode ser medido, mas também levar em conta o que não pode ser medido, como a dimensão singular de indivíduos, eventos ou lugares. Um dos maiores desafios da pesquisa no mundo social é trazer cognitivamente o mensurável e o incomensurável de maneira rigorosa.

A tensão empiria/teoria pode ser abordada a partir de estudos de campo, de monografias, de pesquisas comparativas tanto quanto nos axiomas, modelos e teorias abrangentes. Julgamos promissora a prática da experimentação, que é ainda, erroneamente, um parente pobre das ciências sociais.

Com parcerias, Chôros trabalha para a emergência de uma ciência social unificada, capaz de fazer dialogar a economia e a sociologia, a política e a geografia, o direito e a história, a psicologia e a lingüística - e qualquer outra combinação útil de campos de conhecimento - sobre os problemas e questões onde a sociedade espera que eles estejam.

5.Cada fato social é total .:

Não podemos escapar à complexidade do social, podemos tentar torná-la simples, mas sem tentar reduzi-la. O social forma um todo, a sociedade, e seus componentes: indivíduos, coletivos, organizações, instituições, tudo o que compõe a socialidade também tem suas próprias especificidades e lógicas que não podemos ignorar. O mundo social nos fala, portanto, de acúmulos de experiências incessantes entre atores e ambientes. Os ambientes prefiguram os atores, mas os atores podem modificar os ambientes. Entre eles, os indivíduos, com suas habilidades cognitivas e sua capacidade de fazer escolhas estratégicas em uma escala biográfica, fizeram uma entrada esmagadora na cena social. A irrupção da individualidade não significa que a sociedade tenha desaparecido. É sobretudo o contrário: diante do modelo comunitário, mais individualidade significa mais sociedade, e vice-versa. O certo é que cada fato social é um fato total e que é ilusório pretender fugir do processo de teorização, mesmo quando se trata de objetos de estudo singulares.

Assim, o englobante e o englobado estão profundamente entrelaçados. Neste sentido, podemos usar a expressão do sistemismo dialógico: o social é um sistema, mas seus componentes humanos e, em menor grau, não humanos (objetos, mundos naturais) têm um nível de autonomia e capacidade de mudar a estrutura que os inclui. Tentar entender estas tensões permanentes, às vezes cooperativas, às vezes conflitantes, entre o todo e as partes é um grande desafio para a inteligência do social.

Habitar, ser habitado

6. Habitar, um encontro entre atores e o ambientes espaciais .:

Aprendemos a importância de representar o espaço como uma dimensão transversal que faz sentido em toda a sociedade. Não se trata de uma simples projeção de algo mais. Não se trata de um caso particular. Levamos o espaço a sério. O espaço é composto de distâncias materiais, imateriais e ideais. Explorar a infinita diversidade de concepções e práticas de distância é uma maneira eficaz de ler a complexidade dos mundos sociais. A dimensão espacial do social se desdobra no espaço, ou seja, ambientes espaciais e espacialidade - a ação espacial dos atores e outros operadores (agentes, objetos).

O que une, em relação ao espaço, o esforço de conhecimento e os desafios políticos, é o habitar. Habitar é buscar um ponto de encontro, sempre frágil, entre a lógica de ação e a do meio ambiente. Os atores podem ser esmagados por um ambiente violento ou hostil, mas também podem destruir ambientes cuja vulnerabilidade eles ignoram. Habitar, portanto, é sempre também ser habitado pelo espaço que se habita. Habitar, é portanto co-habitar, porque cada ato tem um impacto coletivo, e quase sempre social. Abordar o mundo pelo habitar é, portanto, partir do princípio que a liberdade e a responsabilidade estão diretamente relacionadas.

7. O urbano, meio natural da humanidade .:

Antes de tudo, é a urbanização, a urbanidade e o urbanismo que organizam o habitar contemporâneo. O urbano se tornou o ambiente mais "natural", ou seja, o mais óbvio e o mais poderoso da humanidade, com a cidade em seu centro, que é mais do que nunca a imagem mais perceptível. O mundo urbano não deve ser visto negativamente, a partir do rural, mas como um tipo específico de sociedade e civilização. A cidade é em si uma escolha espacial que gera diversas e massivas questões espaciais: espaço público, mobilidade, gradientes de urbanidade, modelos de urbanidade, ética e estética do urbano.

A análise do fenômeno urbano é realizada em todas as escalas, tanto na exploração profunda das métricas pedestres e na relação entre os corpos no espaço público, como através de uma abordagem global das redes urbanas consideradas como o tecido básico do mundo contemporâneo. Chôros estuda a urbanidade em todas as suas facetas, em todas as latitudes e tanto através de modelagem teórica como através de investigações imersivas sobre a vida cotidiana das cidades.

8. O humano é móvel .:

Além disso, o urbano envolve mobilidades. O acesso às mobilidades generalizadas, em outras palavras, mobilidades que se multiplicam, diferenciam e, finalmente, se combinam para cada indivíduo, participa do todo, através de mil canais, no reforço da liberdade de cada um e cada uma na escolha dos lugares que habitam, diferentemente uns dos outros. O parêntese rural, aquele que se ancora em um solo único e sagrado, está se fechando, mesmo em seus pontos mais fortes, na Europa e na Ásia.

Todos os habitantes de hoje se encontram em movimento e estão se reconectando com sociedades que nunca foram rurais e sempre foram móveis. O turismo não é apenas uma indústria de viagens para diferentes lugares, mas, mais geralmente, uma relação de alteridade, possível com qualquer espaço, inclusive o mais familiar. Portanto, os habitantes do mundo estão alcançando seus antepassados que há milhares de anos geraram novos lugares, criando ou transformando, e nos legaram esta diversidade disponível e acessível. A mobilidade de pessoas, coisas e idéias faz de cada lugar um resumo de todos os outros. Assim, as mobilidades de cada pessoa envolve todas as outras, mesmo que pareçam imóveis: habitar um lugar agora é habitar o Mundo. Os desafios políticos são essenciais e, no entanto, largamente ignorados. Os modelos democráticos úteis às sociedades móveis ainda estão por serem inventados.

9. Uma sociedade-Mundo emerge .:

O espaço é então a globalização, a Europa e todas as entidades emergentes que são todos novos espaços que, por sua própria existência, redesenham todos os outros mapas. O Mundo é, em particular, uma realidade espacial singular em mais de um sentido, primeiro porque é o último escalão que afeta todos os outros escalões ao mesmo tempo em que é afetado por eles; depois, porque é único e é o lugar exclusivo de existência da humanidade; e por último, porque é construído ao ser simultaneamente pensado, discutido, às vezes desejado, às vezes odiado pelos humanos. Acompanhamos cada novo evento que faz com que a ideia de uma sociedade-Mundo se instale na paisagem pública com tudo o que isso implica em termos de liberdade e responsabilidade nesta escala. A consciência ecológica é construída a princípio nesta escala e são sem dúvida as questões relacionadas à natureza terrestre que, juntamente com o desenvolvimento e a paz, são as que estão mais organizadas em escala global. Nesta fase da globalização, o elo que falta, ou pelo menos o elo que falta na política, mantém a discrepância entre problemas e soluções. Esta transição desordenada toma caminhos muitas vezes surpreendentes.

A crônica da invenção da política em escala global merece atenção, e para mantê-la, é preciso saber tirar as lentes de uma visão estritamente culturalista, geopolítica ou econômica e deixar o novo, também inesperado, influenciar o pensamento.

10. O digital cria um lugar global em rede .:

O espaço é também o mundo digital, tanto um conjunto de recursos como um quadro de ação, que deve ser analisado em seu rápido movimento sem subestimar sua extraordinária força de transformação, nem superestimar sua capacidade de inovação. Aproximar-se dela como um espaço, tratando a Internet como um lugar reticular global conectado a outros lugares digitais e a lugares não digitais, traz uma eficácia inegável à análise desta realidade, que é ao mesmo tempo completamente nova e totalmente inscrita na história geral das sociedades.

A tecnologia digital está constantemente reordenando e redistribuindo as cartas de intermediação. De uma perspectiva libertária, pode-se pensar que houve um movimento radical de desintermediação: não é isso que está acontecendo, mas as cadeias de interação estão se deslocando. Pessoas comuns nunca tiveram acesso tão direto a muitas atividades ou serviços, mas, ao mesmo tempo, nunca antes surgiram atores tão poderosos e indispensáveis em tão pouco tempo.

A tecnologia digital é um componente importante, tanto causa como consequência, da globalização e especialmente de uma sociedade civil global. Ela torna muito mais visível o aumento das liberdades espaciais dos atores, mas também a resistência dramática dos Estados e os déficits éticos, políticos e legais da sociedade global emergente. Finalmente, a tecnologia digital está incentivando outras formas de fazer pesquisa. Os “big data” são a oportunidade para um neopositivismo reducionista: a própria ideia da teoria tornou-se obsoleta e, através da produção e gestão de algoritmos, os cientistas da computação não precisam mais dessa teoria para pensar sobre a realidade. Quando, na verdade, é o contrário.

A multiplicação exponencial de informações empíricas torna as problemáticas, hipóteses e métodos mais imperativos, em suma, a construção de um registro cognitivo complementar ao dos dados. A partir daí, novas perspectivas, promissoras para a pesquisa, podem surgir, tanto para preencher as lacunas do aparato estatístico do Estado como para explorar realidades singulares como são, sem tentar esmagá-las em médias.

11. A natureza é um ambiente social .:

A natureza difere do mundo biofísico no que diz respeito à humanidade e a humanidade a transforma. Nossa relação com a natureza também se beneficia de ser compreendida de uma perspectiva espacial. Os ambientes naturais são ambientes sociais particulares, movidos por lógicas físicas ou biológicas, mas que, como realidades sociais têm uma história e um futuro que dependem dos seres humanos, e cada vez mais.

Os seres humanos têm dois envelopes naturais, seus corpos e a Terra. Esses ambientes constituem camadas específicas do espaço habitado, que interagem com as outras camadas. Assim, o Mundo e a Terra ocupam a mesma extensão, e isto confere uma responsabilidade imponente à humanidade. Quanto ao corpo, ele não é, como está, completamente separável do eu, o que não é em si uma mera excrescência. A consciência ecológica e suas conseqüências dão lugar a grandes debates políticos porque modelos desejáveis da natureza são também modelos de sociedade, que incluem grandes dimensões espaciais (urbanidade, mobilidade, relações com os lugares).

12. O mapa cria novos espaços .:

No mapa e, além das linguagens espaciais como um todo, são acrescentados outros espaços cognitivos, que ressoam com a espacialidade do mundo e ajudam a representar sua complexidade. Atingir a "reviravolta cartográfica", definida como uma atualização das linguagens de visualização da informação e do conhecimento para corresponder às teorias sociais contemporâneas e aos desafios de hoje, nos parece crucial.

O mapa não é apenas uma visualização de dados, é uma linguagem complexa e aberta. Ele pode tornar-se uma ferramenta de pensamento que permite que certas realidades sejam compreendidas mais clara e mais rapidamente. É o caso, por exemplo, da dinâmica dos espaços políticos no Ocidente, que passaram por mudanças fundamentais desde o início dos anos 90, e cujo conteúdo e dinâmica podem ser apreendidos através da crônica cartográfica. Chôros se esforça para realizar um encontro entre a produção de novos mapas e a reflexão sobre as linguagens cartográficas.

13. O espaço, transversalidade criativa .:

Além de suas próprias questões, a dimensão espacial do social dá uma contribuição inegável para a tomada de consciência de um certo número de realidades emergentes: os bens públicos, as questões de igualdade e justiça e a virada ética têm um componente geográfico utilmente visível. Ao estudar os indivíduos como seres geográficos, com seus corpos, seu movimento, suas práticas multiescalares, multi-métricas e seu capital espacial, esperamos contribuir para uma renovação das ciências da psique, dilacerada entre paradigmas incompletos e redutores. Finalmente, a dimensão espacial atravessa todas as partes do social e, ao fazer isso, liga o que muitas vezes é dividido em disciplinas fechadas.

Ao lado desta "pós-disciplinaridade", ao expandir as equipes que trabalham em diferentes tipos de projetos, podemos apressar o advento de uma transdisciplinaridade que conecta a pesquisa teórica de todas as ciências, tecnologias de todos os tipos, os mundos da arte e até mesmo as técnicas implementadas pelos habitantes comuns.

Os futuros no presente

14.O futuro é um bem público .:

Onde estamos, quando estamos? O "era melhor antes" prospera. Apesar de suas limitações, a nostalgia resiste como um operador de comparação entre o presente e o passado. A Europa não tem futuro, e talvez seja isso o que a torna frágil em um presente muito tangível.

Ao mesmo tempo, os projetos dos indivíduos, dos coletivos e das sociedades nunca foram tão numerosos, mas é sua convergência, sua coerência e os debates públicos que seriam necessários seu sucesso que são em grande parte inexistentes. Lembrar o passado não é automaticamente o sinal de uma sociedade voltada exclusivamente para o que não é mais. A valorização da memória é também um sinal de uma sociedade em transformação.

O reprocessamento do passado em memória também pode ser parte de uma renovação do regime de modernização, ou seja, da reinvenção da relação entre o futuro e o presente. Ao fazer um inventário do que, aos seus olhos, é passado, os atores designam o passado das sociedades. Eles contribuem para identificar o contemporâneo e para reformular as medidas do tempo. O estilo temporal do momento atual também muda a escala espacial: com a globalização, é a imensa constelação de lugares que constituem a cultura geográfica da humanidade que é patrimonializada e se torna uma matéria prima para prospecção.

A patrimonialização do passado não é, portanto, necessariamente negativa, desde que seja combinada com uma expectativa benevolente do futuro. Entretanto, em um mundo de atores cultos e reflexivos, o futuro não é anunciado, ele é construído no diálogo entre desejos e no confronto de expectativas. É tanto o resultado de uma intencionalidade sintética de toda uma sociedade quanto de múltiplas ações de indivíduos ou de coletivos. Neste sentido, trata-se de um bem público.

15. Na maioria dos casos, as previsões são, na melhor das hipóteses, uma reprodução do passado .:

Elas são eficazes quando os processos que produziram o presente ainda estão em funcionamento. Este é tipicamente o problema com o uso indiscriminado ou preguiçoso de informações em massa sem problematizar a mudança social. Seu nível de previsibilidade é fraco. O objetivo da abordagem prospectiva é assumir transformações, às vezes em grande escala, das quais ainda vemos muito pouco, o que é um grande desafio em comparação com a reprodução mecânica dos ciclos.

Assim, os efeitos da consciência ecológica, que já são evidentes - mesmo que esta bifurcação em nossas representações da natureza seja muito recente - não poderiam ser previstos por uma simples derivação do existente. Foi necessário discernir a longa história, muitas vezes em segundo plano, mas nunca ausente, da ideia da natureza e estar atento ao aumento do poder das preocupações ambientais, ainda confuso, mas muito presente nos anos 70 no Ocidente. Da mesma forma, simplesmente ouvir o que as meninas africanas têm a dizer sobre suas expectativas e planos, em vez de copiar preguiçosamente a história da Europa, teria facilitado a previsão do espetacular declínio da fertilidade.

16. Ambicionar futuros disruptivos .:

Como podemos construir uma previsão que ajude os cidadãos a pensar em futuros possíveis e, dentro deles, futuros desejáveis? Por um lado, é necessário assumir a possibilidade de mudanças radicais e antecipar sua irrupção, permitindo-nos pensar em mundos que estão muito distantes destes de hoje. A sociedade-ficção deveria ser muito mais imaginativa do que a literatura e o cinema populares de ficção científica, que frequentemente associam fantasias tecnológicas implausíveis com uma representação estática, até mesmo arcaica, do mundo social.

Chôros adota uma abordagem inter e transdisciplinar, tanto teórica como experimental, confiando tanto em entrevistas não diretivas quanto em modelagem computadorizada. A simulação de futuros radicalmente diferentes do presente é duplamente útil. Em primeiro lugar, ela nos permite ver mais claramente o que está em jogo nas mudanças imagináveis. Em segundo lugar, permite testar a disponibilidade dos atores contemporâneos a estas mudanças e, consequentemente, medir, através de sinais, que à distância parecem fracos, o nível de desequilíbrio dinâmico existente na sociedade de hoje.

17. Para falar do futuro, escutemos o presente .:

Na verdade, a previsão mais eficaz é aquela que, pelo menos, não comete um erro no presente, que integra os projetos e os imaginários. Uma abordagem contemporânea é aquela que escuta as previsões dos atores em vez de afirmar profecias tecnocráticas que nunca se tornam realidade. Esta "previsão no presente" tem como matéria-prima três tipos de temporalidade: a real, sedimentada, memorizada e instituída; a atual, que surge no momento; a virtual, portadora de potencialidades das quais ainda não sabemos quais serão atualizadas.

Na vida cotidiana, cada um destes pontos de vista sobre as realidades sociais se sobrepõe inevitavelmente aos outros dois. O desafio da previsão é poder distinguir, no presente, o que é mais fácil de identificar e medir, o que é parte do real e o que é parte do virtual. Para conseguir isso, a maneira mais simples é ouvir como os indivíduos vêem o presente e desejam mantê-lo ou mudá-lo. Estes atores têm pouco poder e nem sempre concordam entre si, mas são poderosos, especialmente quando convergem. Suas intenções e demandas já são e serão cada vez mais a principal força propulsora dos futuros. É o arco de seus desejos que pode dar sentido concreto à imagem, de forma ilusória, da flecha do tempo.

Atores-pesquisadores

18. Conhecer, para todas as linguagens .:

As linguagens de conhecimento são múltiplas. É aconselhável fazer o melhor uso de seus recursos, abrindo-os. Algumas linguagens, como a oral e a escrita, são comuns a todas as atividades, a todos os registros. Outras foram confinadas a certos setores, a certas missões. É por isso que Chôros recebe especialistas em diferentes tipos de escrita, verbal, audiovisual e mais além. Alguns modos de comunicação, como o mooc, combinam técnicas e idiomas pré-existentes. Em outros casos, a lacuna é mais clara: o filme científico, nem ficção nem documentário jornalístico, é um novo campo. As hibridizações entre artes e ciências multiplicam-se e os projetos estéticos, que penetraram na vida social como nunca antes, são cada vez mais interessados pelo trabalho dos pesquisadores. Artes e ciências aparecem cada vez mais como dois lados complementares da ação cognitiva.

Chôros está particularmente interessado nas linguagens não verbais porque existe um reservatório ainda pouco explorado pelas ciências para dizer e pensar de forma diferente e, consequentemente, para estimular a inovação.

19. Uma ciência cidadã trata os cidadãos como cidadãos .:

Comecemos a partir de nosso trabalho como atores cognitivos e avancemos em direção à política e à ética. Não somos pesquisadores que 'embarcam' ou 'mudam' para a política e muito menos pesquisadores que vestem suas posições políticas com o vocabulário da ciência. Somos pesquisadores ativos: tentamos contribuir para criar as condições para que a sociedade faça uma melhor auto-gestão.

Compreender o mundo é obviamente um trunfo para agir e, como produtores de conhecimento, nos dá responsabilidades. No entanto, não somos especialistas, mas pesquisadores orientados para a ação. Não pretendemos dizer o que deve ser feito ou o que não deve ser feito. Queremos ser catalisadores de liberdades. "Catalisadores" no sentido de que, como em uma reação química, queremos nos tornar dispensáveis: rejeitamos a ideia de que os pesquisadores devem medir o nível de "aceitabilidade" pela sociedade de medidas decididas por outros.

A decisão não cabe aos especialistas, mas aos cidadãos. Queremos apenas ajudá-los a enriquecer e esclarecer seu ponto de vista: relativizar os objetos através de comparações com outras situações e distanciar-se das questões em jogo através de mudanças de perspectiva. Nós não dizemos: "Você não pode fazer isso", mas sim: "É isso que você quer fazer? Desta forma, explicitamos melhor os modelos de urbanidade ou concepções de natureza que competem no mercado de idéias, mostrando como elas são mais ou menos compatíveis entre si e como exigem escolhas estratégicas.

20. Otimistas porque realistas .:

O componente político de nosso projeto é, portanto, ao mesmo tempo otimista e realista, otimista porque é realista. Nosso otimismo medido baseia-se na observação de que é possível criar mecanismos que permitam, através de múltiplas reiterações, a coerência da sociedade política com as expectativas da sociedade civil. O enfraquecimento das incompatibilidades intrínsecas entre as expectativas dos vários atores, por um lado, e as da sociedade como um todo, por outro, torna o sucesso de tal processo mais provável.

Portanto, não nos colocamos, como acontece em muitos discursos de especialistas adotando uma postura de superioridade, na perspectiva da incapacidade e do avanço que seria necessário para escapar dela, pois acreditamos na utilidade do longo tempo de controvérsia, disputa, traduções e contra-poderes. Também acreditamos que o trabalho do pesquisador é apresentar o que existe, mas também as alternativas ao que existe. Por outro lado, alertamos para os riscos de responder aos imperativos do momento (desigualdades, rusgas identitárias, terrorismo, riscos ambientais, etc.) cedendo à ditadura da urgência. Aqueles que dizem: "É hora de agir" estão quase sempre certos; aqueles que dizem: "Não é mais hora de discutir" estão quase sempre errados.

Como cidadãos-pesquisadores, não apresentamos um "programa político", mas uma problematização das questões em jogo, a fim de dar mais clareza aos debates e mais liberdade àqueles que vão deliberar. Nos colocamos na perspectiva progressista lançada pelo Iluminismo, que, em nossa opinião, ainda hoje é muito relevante. Ela pode ser resumida na proposta de Immanuel Kant, escrita em 1783: "O iluminismo consiste em os seres humanos deixarem o estado de dependência pelo qual eles próprios são responsáveis". O que esta frase diz é, antes de tudo, que a mudança é possível e que cabe aos humanos - ou seja, a cada um deles e à sociedade que formam juntos - imaginar e decidir em que direção querem ir.

Cabe também a eles dizer como podem fazer com que esta autonomia recém-conquistada lhes permita avançar em direção a uma vida melhor para cada um deles e para todos. A emancipação, a liberdade de expressão, a libertação de todas as lealdades impostas, a construção de capacidades para inventar a própria existência na coabitação dinâmica com outras existências nos parece ser um conjunto de instrumentos mais relevante do que nunca. Esta formulação também abre uma questão sobre os objetivos a serem alcançados: habitantes-cidadãos deste Mundo, que é nosso único viaticum, o que estamos fazendo, o que faremos com esta nova liberdade?

A resposta ainda não está escrita no mundo em que vivemos, que, além do mais, é composto, ambivalente e não pode ser simplificado: esta resposta deve ser inventada, dia após dia. Ideologias que reduzem os projetos políticos à "resistência" diante de uma conspiração unida de todos os poderosos empobrecem o debate porque sugerem que a conservação do existente poderia ser um projeto positivo. Com Umberto Eco, vamos considerar o mundo como um "enigma benevolente". Este mundo coloca questões difíceis, às vezes dolorosas, mas existem soluções, em elaboração, nos pensamentos e ações de nossos concidadãos. A dinâmica do urbanismo contemporâneo mostra que isso é possível: podemos deixar de acalentar o mito ilusório de ser o autor de uma cidade e se colocar sobretudo como um interlocutor entre outros atores. Funciona!

Nossa abordagem da política é, portanto, expressa em perguntas. Podemos construir políticas de justiça em todos os níveis? Podemos construir um território europeu? Podemos criar um mundo digital mais aberto, mais seguro e mais democrático? Podemos fazer emergir uma sociedade-Mundo de indivíduos autônomos, coletivos reversíveis e sociedades federadas? Cabe a cada um de nós e a todos responder a estas perguntas.